O clube desportivo
e o seu «produto»
O termo «produto» provoca um sobressalto em todo o Movimento Associativo, e o dirigente desportivo voluntário tem uma enorme dificuldade em integrá-lo no seu campo de reflexão. O «produto» de um clube não é mais do que cada actividade, ou conjunto de actividades que o clube «oferece» aos seus sócios. A «oferta» é, por isso, uma noção indissociável da primeira. Encontra resistências, na medida em que é encarada como uma prestação de serviço «comercial» e não é, por isso, percepcionada como um «serviço» desinteressado na boa tradição associativa, historicamente destinada a reforçar os laços de solidariedade e a fornecer respostas a problemas específicos do grupo dos associados que se juntaram para criar e pôr a funcionar o clube.
Todavia, cada «serviço» tem o seu custo e, para responder à «procura», tem de possuir características específicas. Os locais, o equipamento, o enquadramento técnico e o trabalho administrativo, têm um custo. As noções de produto, de oferta, de serviço e de custo, estão assim integradas num processo, subordinado a uma lógica comum.
Torna-se evidente que se o «serviço» tem um determinado custo, a questão financeira assume uma importância decisiva. Nesta lógica, cabe ao dirigente desportivo associativo procurar obter o melhor serviço pelo mais baixo custo. E, ainda na mesma perspectiva, a resposta à «procura» tem que ser fornecida por um «produto» que representa um «serviço», viável através de um certo «custo».
Não há dúvida de que nos encontramos perante um encadeado lógico razoável e, sendo, assim, não se compreende a reacção de sobressalto do dirigente desportivo voluntário quando se lhe fala nestes termos. A origem é simples e assume um carácter multifacetado: a lógica económica que subjaz a este raciocínio é, em tudo, idêntica à do funcionamento da empresa, cuja finalidade consiste em criar um produto e de o vender com lucro. O que está em causa é a eficácia dos métodos utilizados, para «vender» e obter o máximo lucro para o empresário, cuja preocupação com a solidariedade não entra na estrutura do seu trabalho.
Ora, a ação do dirigente desportivo voluntário situa-se, por definição tradicional, no campo do desinteresse material característico da situação de «amador» – aquele que participa na organização desportiva sem receber dinheiro (Dic. Lello Universal). Mas, se se retirar a noção de «obtenção de lucro máximo» àquela perspetiva e a substituirmos pela de «investimento necessário» não se estará a acertar a actividade do clube pela hora presente?
As reações do dirigente parecem, desta forma, inadequadas e ultrapassadas. Por um lado, porque não é possível negar que o desporto se integra, pelo menos em larga medida, no campo do económico. Ou seja, no sector de actividade social de onde qualquer tipo de raciocínio é originário. Por outro lado, uma das questões essenciais que se colocam na actualidade do dirigente voluntário é a questão dos meios financeiros, traduzidos nas crónicas dificuldades económicas que enfrenta a gestão do clube.
Tudo indica, por isso, que a preocupação central do dirigente se situe no âmbito da rendibilidade das actividades organizadas. Por isso, muitos afirmam que serão os dirigentes com a iniciativa e transformados em autênticos «managers» gestionários, que passarão a orientar a vida do clube, pois utilizarão os métodos, as técnicas e os utensílios de gestão capazes de rendibilizarem a prática desportiva. Desta forma viabilizarão o clube desportivo que será capaz, não só de sobreviver, como de responder a uma exigência sempre acrescida de melhoria da qualidade da «oferta».
Na realidade, a questão não pode ser cobrada desta forma tão simplesmente esquemática. Antes de tudo porque a acção do dirigente assume um carácter de interesse social, correspondendo a uma substituição da acção do Estado em termos de uma colaboração que configura um serviço público. Esta perspectiva não pode ser escamoteada ou esquecida quando se fala da actividade do clube e da acção do dirigente e é ela que constitui o elemento diferenciador essencial entre a associação voluntária que organiza serviços que partem de necessidades específicas da população de onde emerge, e a empresa privada que organiza serviços que respondem à procura expressa com o objectivo de alcançar o máximo lucro. É também esta diferença que justifica a diferenciação entre o cliente (da empresa) como consumidor, e o utilizador, praticante de uma actividade organizada pelo clube como afirmação plena do cidadão (ou cidadã).
Naturalmente que, na perspectiva neoliberal do «menos Estado» que procura desresponsabilizá-lo de atribuições essenciais para o progresso da comunidade em praticamente todas as áreas da actividade social (desde que permitam obter lucro através da iniciativa privada em que a noção de serviço público é liquidada), o esforço consiste em convencer toda a população (incluindo os dirigentes desportivos especiais defensores dos conceitos de solidariedade, interesse público, acção materialmente desinteressada colocada ao serviço da comunidade) de que todas estas concepções estão ultrapassadas e só os «dinossauros» sobreviventes as defendem (argumentos de quem não tem argumentação consistente e séria).
Ora, existindo, naturalmente, pontos de contacto entre a empresa privada e a empresa pública, entre a «associação empresarial» e a «associação voluntária de solidariedade», a sua natureza e finalidade são estruturalmente diferentes.
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